A estiagem, as consequências da guerra Rússia x Ucrânia e as novas possibilidades de negócios foram os principais temas abordados pelos especialistas no 32º Fórum Nacional da Soja realizado durante a Expodireto Cotrijal.
Pela primeira vez sendo realizado como um evento híbrido, os participantes puderam acompanhar a programação de forma online, ao vivo através da plataforma Expodireto Digital. Apesar do modelo híbrido, o auditório central do parque estava completo, dentro das recomendações atuais.
Por videoconferência, Evaristo Eduardo Miranda, diretor do Instituto Ciência e Fé e pesquisador da Embrapa Territorial abordou a sustentabilidade agropecuária, Enquanto Marcos Sawaya Jank, professor de agronegócio global e coordenador do Centro Insper Agro Global esteve presente no Auditório Central, e apresentou uma perspectiva da situação econômica do agronegócio brasileiro na atualidade.
“A sustentabilidade da agropecuária frente às incertezas climáticas”
A palestra de Evaristo Eduardo de Miranda, diretor do Instituto Ciência e Fé e pesquisador da Embrapa Territorial foi mediada por Paulo César Pires, presidente da Fecoagro. Miranda fez um panorama das últimas cinco décadas do agronegócio brasileiro. Segundo ele, o Brasil criou um modelo único no mundo que alia preservação e agricultura de alta competitividade. O plantio direto e a fixação biológica de nitrogênio no solo estão entre as técnicas utilizadas para produzir com qualidade no bioma tropical.
Preservação
Conforme o pesquisador da Embrapa Territorial, o Brasil tem a maior área protegida do mundo, 66,3% da área total do Brasil é preservada. Sendo que a conservação nacional de vegetação nativa tem mais de 2,8 milhões de km. Ele destacou que as propriedades rurais também têm obrigatoriedade de preservação. Portanto, as lavouras não devem ser responsabilizadas pelo desmatamento, pois apenas 7,8% das terras brasileiras são utilizadas para a agricultura. E esse segmento é o que recebe maior fiscalização ambiental. “Poupamos desmatamento com crescimento vertical (na agricultura)”, explicou Miranda.
Ainda segundo ele, 33 milhões de hectares são utilizados para plantio direto sem aração, e nesse modelo, a soja tem altos ganhos de produtividade. Para o pesquisador, o avanço tecnológico oportuniza utilizar solos não propensos à plantação de soja, a exemplo do cerrado. "Com a inovação tecnológica, temos a capacidade de nos adaptar às mudanças climáticas", explicou Miranda.
Mudanças climáticas
Ao abordar a adaptação da agropecuária à instabilidade do clima, o pesquisador afirmou que o agricultor deve buscar soluções para contornar a estiagem. Ele explicou que não há tecnologia que funcione sempre e em qualquer condição, mas as técnicas agrícolas nacionais estão bem adaptadas às variações de chuva e temperatura dos ecossistemas tropicais. Os estudos foram essenciais para que fosse possível adaptar as culturas às variações climáticas.
As flutuações de chuva e temperatura anuais são maiores na zona tropical, segundo Miranda, e a região tropical é uma das menos afetadas pelas mudanças climáticas, graças às tecnologias existentes. O pesquisador afirmou que a Embrapa busca fazer previsões com maior precisão em relação ao clima, para que o agricultor possa estar preparado para enfrentar as intempéries.
Irrigação
Conforme Miranda, a irrigação precisa ser colocada como destaque, pois é ela que garante qualidade e padrão de produção. A solução seria ampliar a área e eficiência da irrigação e investir em reuso. “Agora, as dificuldades enfrentadas com intervenção do Ministério Público e órgãos ambientais para os produtores armazenarem água são dramáticas. Não é só falta de recurso. Quem tem recurso encontra dificuldades enormes. Isso precisa ser colocado em debate. Tem que haver mudanças”, disse Miranda.
A inserção global do agronegócio brasileiro em tempos turbulentos (guerra Ucrânia x Rússia)
Marcos Sawaya Jank, professor sênior de agronegócio global e coordenador do Centro Insper Agro Global, trouxe toda sua experiência de vivência na Ásia e deu o seu parecer sobre os preços e custos de produção em tempos de guerra, dentre eles o desabastecimento e a guerra comercial. A palestra foi mediada por Caio Viana, diretor da CCGL.
Diferencial brasileiro
Jank elogiou o modelo de agricultura brasileiro, e revelou que após ter morado em diversos locais do mundo, nunca viu uma área tropical tão bem adaptada à lavoura quanto o Brasil. Isso coloca o nosso país como o maior exportador mundial de soja e o segundo maior exportador mundial de milho. E em relação à imagem do Brasil no exterior, somos o terceiro exportador do agronegócio mundial, segundo Jank.
Expansão comercial
O professor afirmou que os futuros clientes da soja brasileira são África e Índia, regiões onde haverá um aumento de população. “Deveríamos estar preocupados com o que está sendo falado com os chineses, indianos e africanos. Esses serão os grandes clientes do futuro”, vislumbrou.
Escassez de insumos
O professor ressaltou que é impossível produzir soja sem glifosato e o Brasil diminuiu muito a produção local de fertilizantes, passando a ser dependente do produto importado da Rússia. A energia barata e as reservas de gás natural e petróleo, fatores essenciais para a produção de fertilizantes, tornaram aquele país o polo mundial desse insumo. “Já vínhamos com problemas de fertilizantes, que não foram causados pela guerra. Os países já estavam direcionando produtos para seus mercados internos, se recusando a exportar”, explica Jank.
Conflito Rússia x Ucrânia
O professor ainda elencou uma importante zona de interesse da Rússia no país vizinho. Segundo Jank, a Rússia tem grande interesse nas áreas cultiváveis da Ucrânia, que são planas e muito propensas à produção de milho e trigo. Se assumir o comando dessas terras, a Rússia passará a ser a nossa grande concorrente no leste europeu, pois detém grandes fontes de energia, os fertilizantes necessários para produzir e terá a terra adequada a esse potencial de crescimento. A Ucrânia é hoje quarto maior exportador mundial de soja e milho e quinto maior exportador de trigo.
Instabilidade econômica
Jank listou como fatores de crescimento dos preços agropecuários, o aumento da demanda global, especialmente, na Ásia e China; preços internacionais ainda em alta; estoques mundiais baixos; e desvalorização cambial (R$/dólar). Em relação aos fatores de risco, o professor apontou a inflação de alimentos no mercado; perda do poder aquisitivo da população brasileira pós-covid; forte aumento no preço de insumos (fertilizantes e defensivos) e riscos reais de desabastecimento; e a dificuldade de reposição de máquinas e equipamentos.
Solução para a internacionalização
Conforme Marcos Jank, o mundo é muito mais diverso do que a gente imagina, mas todos os países sofrem com a competitividade, a sustentabilidade, o acesso a novos mercados, dentre outros desafios.
“Nosso problema hoje é o acesso, pessoas para consumir não irão faltar”, o professor explicou que a África e a Índia tem grande população consumidora, boas terras mas o modo de produção não é modernizado. Em relação à China, que é o maior consumidor da soja brasileira, o especialista em Agronegócio Global defendeu que devemos aumentar a representatividade nesse mercado: “não somos só nós que dependemos da China, ela depende do nosso agro”.
Segundo Jank, a China não tem área para produzir animais e não pode depender exclusivamente da proteína importada, assim ela prioriza comprar soja e milho, para alimentar principalmente suínos.
Com vivência na Ásia, Jank afirma que os asiáticos não têm grande conhecimento sobre a produção brasileira, sendo importante estreitar relações. “No mundo competitivo como está hoje, é necessário estar ao lado do seu cliente. O nosso cliente está na Ásia”, sugeriu.
Esse desconhecimento sobre as técnicas de cultivo geram especulações e notícias falsas. “Temos que mostrar ao mundo que o Brasil faz revolução agrícola, mostrar ao mundo que se não tivéssemos criado o plantio direto, precisaríamos derrubar muita mais mata. O que evita o desmatamento é a tecnologia e a produtividade. No Brasil são três safras por ano”, explicou o palestrante.
Na visão do professor, o principal protecionismo econômico envolve a exportação de suínos e aves. A China limita o número de frigoríficos fornecedores, para que o produto interno seja prioridade. Mas o leite e o peixe são produtos com alta demanda mundial, e tem uma baixa produção brasileira, sendo essa uma área que poderia receber maior incentivo.
Para o coordenador do Insper, a ampliação dos mercados consumidores de carne deveriam ser foco da diplomacia, não apenas na instância governamental. Segundo ele, o setor privado e as cooperativas precisam participar dessas negociações.
Integração lavoura-pecuária
O coordenador do Insper acredita que essa será a década da integração entre a pecuária e a agricultura. A soja tem aumentado sobre a área de pasto. Mas conforme Marcos Jank é muito mais rentável inserir a criação animal no sistema, e rotacionar gado com grãos (soja e milho). A técnica já existe, mas precisa ser ampliada, pois gera economia de insumos e aumenta as fontes de renda.
Entretanto a interação não deve parar no campo, todas as entidades do agro deveriam se unir e juntas buscarem a ampliação do mercado, já que, o produtor de uma cultura também planta a outra. “Deveria ter uma coordenação maior entre milho, soja, algodão.Todas essas culturas têm entidades muito fortes. Mas seria interessante se juntassem elas com as de proteínas animais, tivessem uma visão comum, pelo menos em parte das agendas”, esclarece Jank.
O professor relatou sua tentativa bem sucedida de agregar entidades do setor. “Eu gosto dessa ideia de termos associações que trabalham integradas. Eu participei de um movimento para juntar a associação de suínos com a associação de aves, porque é o mesmo produtor, são as mesmas indústrias”, explicou. Entretanto, Jank acredita que essa integração pode expandir também nas federações de agricultura, sindicatos e no cooperativismo, que segundo ele, estes são os três braços da agricultura.
“É com a união que vamos resolver esses problemas. Eu falei sobre o risco dos governos aumentarem a tributação sobre o setor, taxar exportação, o problema nacional de logística, o problema dos fertilizantes, são problemas que afetam todas as cadeias produtivas do agro”, apresentou Jank.