Excedente global e preços baixos são os desafios para o setor agrícola

34º Fórum da Soja aponta para tendência preocupante pelos próximos anos

A produção de soja tem superado consistentemente a demanda desde 2023, resultando em um excedente significativo, dentro do contexto global. Esse desequilíbrio entre oferta e demanda tem pressionado os preços para baixo, criando desafios para os produtores agrícolas.

Somado a esse fator, em nível nacional, este é um ano com muita irregularidade em relação ao plantio de soja por conta do clima. Essas e outras perspectivas foram apresentadas durante o 34º Fórum Nacional da Soja, na programação da 24ª Expodireto Cotrijal. O evento contou com palestras sobre tendências do mercado, além da produção de combustível do futuro a partir de fontes renováveis.

O fundador e CEO da Agroconsult, André Pessôa, abriu o fórum com o tema “Cenários Agroconsult para os Mercados de Soja e Milho - Safra 2023/2024”. O especialista aponta que a oferta abundante e a demanda estagnada não oferecem perspectivas imediatas de recuperação dos preços, deixando os produtores em uma posição desafiadora. O mercado de soja deve enfrentar um ciclo de preços baixos não apenas em 2024, mas possivelmente mais longo, por dois ou três anos. “Estamos com alta capacidade instalada para produção de soja no mundo, bem superior à demanda, e os estoques estão em processo de crescimento”, aponta.

Produção Excedente

Nas duas últimas safras também ocorreu excedente de produção, mas não de forma tão acentuada. Nos anos anteriores foi exatamente a não ocorrência de todo o potencial produtivo por razões climáticas que segurou os preços em patamares altos. “Em 2024 estamos diante de uma sobra que tende a se intensificar nos próximos anos, se não houver novas quebras de safra, e é por isso que os preços devem seguir caindo”, prevê o palestrante.

Além disso, a demanda relativamente morna da China, o maior importador de soja do mundo, tem agravado ainda mais a situação, impedindo uma absorção eficiente do excedente.

Atraso na comercialização e mercado chinês

O Brasil começou 2024 com menos de um terço da safra comercializada. No caso do Rio Grande do Sul, o dado é ainda mais preocupante: apenas 15% da produção foi vendida no primeiro trimestre. “Não me parece uma boa estratégia de gestão de riscos. É muito pouco para quem não tem condição de armazenagem. Não têm juros compatíveis para carregar estoque”, analisa Pessôa.

Ele considera o atraso uma estratégia equivocada, que pode ter sido influenciado pelas frustrações dos últimos anos e pelo receio de não colher o suficiente para honrar os contratos de vendas antecipadas, no caso dos produtores gaúchos. Já nos outros estados, a demora para a comercialização da soja é atribuída à expectativa que a quebra de safra no Brasil fosse suficiente para fazer o preço subir. “Uma premissa errada”, pontua o especialista.

Pessôa também atribui os prejuízos à reação da China, maior cliente do Brasil. O CEO afirma que este movimento dos produtores pode deixar os chineses em uma posição muito confortável de negociação para realizar o abastecimento no Brasil, sabendo que ainda tem muita soja estocada e derrubando ainda mais os preços.

O Fórum da Soja deixou o alerta aos produtores para que reflitam sobre a oferta e demanda mundial, tendo em vista que o Brasil não está sozinho nesse mercado. “Para a próxima safra, devemos pensar em não repetir o erro na comercialização de 2023/2024. Pelo menos o custo de produção deveria estar travado antes da colheita. Será novamente uma safra de margens baixas”, alerta.

Mesmo com irregularidade no clima, RS terá boa colheita

Os impactos climáticos também afetaram a safra. Os dados da Agroconsult mostram que no Brasil já se perdeu em torno de 17 milhões de toneladas de soja até março de 2024. “As lavouras mais precoces sofreram muito no Brasil Central. Tivemos quebra de safra significativa em alguns estados, como é o caso do Mato Grosso, e algumas surpresas positivas em estados onde se esperava o efeito do El Niño, como Maranhão, Piauí e Bahia, que registraram uma boa safra”, pontua Pessôa.

Apesar do contexto, para o Rio Grande do Sul há um certo otimismo em relação à colheita, que depois de dois anos difíceis terá uma safra satisfatória. Dados da Agroconsult estimam uma produtividade de 53 sacas por hectare na atual safra, superando as 36,9 sacas por hectare do ciclo 2022/23.

André Pessôa também abordou a preocupação com a ferrugem da soja, mas avaliou que os produtores gaúchos sabem fazer o manejo e lidar com essa doença e, assim, garantir uma produtividade até acima do esperado. Também elogiou o estado sobre os investimentos em perfil de solo, que já estão sendo sentidos este ano. “Mas essa é uma construção de longo prazo e não termina nunca e deve ser um processo de melhorias contínuas. O solo sempre devolve esses investimentos, desde que bem feitos, com sobras no futuro. O Rio Grande do Sul está no caminho certo.”

Reversão do quadro depende do mercado internacional e biocombustíveis

O excedente de soja poderá ser escoado e mitigar os efeitos negativos na safra caso haja um problema significativo de clima nos Estados Unidos ou na próxima safra sul-americana, segundo informações da Agroconsult.

Dentro do quadro atual, um cenário favorável pode ser vislumbrado apenas a médio e longo prazo por conta dos impactos positivos da transição energética na agricultura, via mercado de biocombustíveis modernos. “Isso pode ampliar a demanda mais rapidamente e dar conta do grande estoque em formação. Mas este fato novo ainda deve levar alguns anos para trazer um efeito mais significativo. Por ora, temos mais soja sendo produzida no mundo que a necessária para atender a demanda, o que enfraquece os preços”, completa.

Será um ano de grandes desafios no mercado com margens baixas e cenário desafiador para a próxima safra também. O palestrante aconselha usar a relação de troca com insumos como parâmetro para tomada de decisões e planejar com cautela os investimentos. “Apenas uma quebra relevante na safra 2024/25 poderá ditar uma direção diferente ao mercado difícil que teremos a frente”.

Não é a primeira vez que o Brasil vive esta realidade e é possível extrair um aprendizado para ajustar certas ineficiências quando as margens estão baixas. “Atenção aos custos e à eficiência será a tônica da safra 2024/25”, finaliza o especialista.

Encolhimento na exportação do milho

Sobre o milho, o palestrante destacou que a safra de verão foi um pouco abaixo da expectativa, também em relação ao clima, especialmente no Sul no Brasil, com chuvas em excesso durante o período de implantação da cultura.

A projeção para a safrinha é de redução na área plantada no Brasil. O comportamento da produção vai depender muito do clima nos meses de março e abril, com necessidade de chuva no Centro-Oeste. “Certamente, vamos produzir menos milho no Brasil este ano em relação a 2023. O reflexo ocorrerá, principalmente, sobre o volume exportado brasileiro, que deverá ter queda. Na safra 2022/23, exportamos 55 milhões de toneladas de milho”, pontua Pessôa.

Energias renováveis

Na sequência, o fundador e presidente da Be8 e do Grupo ECB, Erasmo Carlos Battistella, ministrou uma palestra com o tema “Agro = alimento + energia”. Ele também é cofundador e diretor do Conselho de Administração da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio).

Battistella ressaltou que o produtor, além de alimento, produz energia renovável, setor que está em expansão no Brasil e que o agronegócio é o grande produtor de matéria-prima. “Iniciamos com a cana-de-açúcar para etanol, passando pela soja para biodiesel, milho e, mais recentemente, trigo para etanol”, enumera.

Além disso, há outros biocombustíveis que devem chegar a partir de 2027 trazendo nova demanda para os agronegócios. “Temos que nos organizar para entender essas novas demandas que temos aqui no Brasil e no exterior”, considera Battistella.

O ano de 2023 foi o mais quente já registrado desde 1850, com uma elevação de 1,52ºC, indicando que o mundo está com a “luz amarela ligada” em relação ao aquecimento global. Ele também expôs possíveis cenários para 2030, quando é esperado que o mundo tenha em torno de 8,5 bilhões de habitantes, frente aos 8 bilhões atuais.

Combustíveis do futuro

Eletrificação, hidrogênio, SAF (sigla em inglês para Sustainable Aviation Fuel ou Combustível Sustentável de Aviação), eFuel e amônia foram apontados como possíveis oportunidades de negócio para o agro. “Vamos usar petróleo por mais 30, 40, 50 anos. Não tem uma tecnologia para substituir amanhã”, relatou Battistella ao mesmo tempo em que incentiva os produtores a ingressarem na produção de biocombustíveis.


siga no instagram

@exporevista